13/5/2024
Curiosidades

Digitar é pior do que escrever a mão?

É praticamente impossível anotarmos tudo que um professor passa em uma aula. Pesquisas mostram que pessoas com melhores habilidades linguísticas e conhecimento prévio da matéria fazem melhores anotações.

Não estou aqui para impor nada. Eu sou adepta a escrever a mão. Adoro meus cadernos, minhas canetas coloridas, mas a minha (nem a sua) preferência não deve pautar diretrizes a respeito da melhor forma de fazer anotações. Vejo muitas pessoas dizendo: "pare de fazer assim ou assado", como se houvesse resposta para tudo! Vamos direto ao ponto! O que a ciência da aprendizagem diz. E nem sempre ela vai ao encontro de nossas intuições!

Obviamente, devemos levar em conta preferências individuais. Por isso escrevo esse post com maiores detalhes. Já recebi algumas perguntas nas minhas caixinhas de perguntas do Instagram (se você ainda não me segue, clica aqui) do tipo: “Roberta, eu gosto de anotar no computador, é verdade que anotar a mão é melhor?”. “Roberta, falam que escrever a mão recruta áreas cerebrais diferentes, então é melhor?”. Vamos aos fatos.

Um estudo ficou famoso por dizer que escrever a mão é melhor do que digitar - para perguntas que envolvem conceitos

Leia de novo o final da frase anterior: “(...) para perguntas que envolvem conceitos”. Esse foi o achado de um paper cujo título diz algo como “A caneta é melhor que o teclado: vantagens de anotar a mão, comparados com anotar no computador”. Na época (2014), a pesquisa repercutiu muito (até hoje ela é citada!). Mas nem todos leram o artigo... Apenas repetem, igual um papagaio, o que ouviram.

No estudo, os participantes assistiram uma palestra TED e faziam anotações (a mão ou digitada – detalhe, a internet estava desligada, então quem digitava, não podia realizar multitarefas). A avaliação da aprendizagem envolveu informações factuais e conceituais, que foram cobradas imediatamente após a anotação (isso é pouco ecológico, ou seja, na vida real, você assiste uma aula e dias depois tem a avaliação! Mas compreender o desempenho imediamente pode gerar insights importantes a respeito de como aprendemos, por exemplo).

A primeira informação, a factual, ocorre quando eu vejo em uma aula: “A memória episódica é um tipo de memória de longa duração no qual a pessoa se lembra: o que aconteceu, onde aconteceu e quando aconteceu”. Na prova, a pergunta é “O que é memória episódica?” e o aluno deve definir. Percebe que muitas matérias exigem esse tipo de conhecimento? “O que é uma célula?”, “Quem foi o primeiro presidente do Brasil?”, entre outros fatos, definições.

Para esse tipo de conhecimento factual, esse estudo mostra que não há diferença entre anotar a mão ou digitar. Sim, você leu certo! E pode até estar surpreso porque viu pessoas citando esse estudo dizendo que anotar a mão é melhor do digitar! (só que eles nào falaram para que tipo de conhecimento!). Lição número 1: cuidado com o que lê!

Bom, em relação a conhecimentos conceituais, além de entender a definição, é preciso compreender o uso desse conceito. Por exemplo, no exemplo que citei, na avaliação poderia ter algo como: “Como a memória episódica se difere da semântica?”. Perceba, aqui vai além de saber a definição, mas o conhecimento anterior é necessário para compreender esse aqui!

Para esse tipo de conhecimento, escrever a mão foi melhor do que digitar. Contudo, assim como uma andorinha não faz verão, na ciência, um único estudo não deve ser pautar diretrizes sobre o que a pessoa deve fazer. Na ciência é preciso REPLICABILIDADE, ou seja, outros estudos devem achar resultados semelhantes se fizerem experimentos em condições semelhantes.

Esse resultado foi replicado? Parcialmente sim!

Tanto nesse estudo famoso citado acima, como em duas réplicas, quando os alunos digitavam, conseguiam anotar mais palavras do que escrever a mão, e também tiveram mais conteúdos verbatim (ou seja, escreveram palavra por palavra do que ouviram).

Todavia, em relação ao desempenho na avaliação imediatamente após a anotação, os resultados de Morehead foram ao contrário. Conteúdos factuais foram melhores para aqueles que digitaram (talvez por ter mais conteúdo verbatim anotado). Não houve diferença no desempenho de conteúdos conceituais!

Além disso, os pesquisadores incluíram um grupo que não fazia anotação e também não foram piores que os que anotaram. Mas lembrem-se: Eles assistiram uma palestra TED, que é diferente de uma aula completa com conteúdos reais. Então não use isso como argumento para não anotar nada!

O que foi diferente nesse estudo é que, no anterior, a avaliação foi logo após verem a palestra do TED. Nesse, além dessa réplica, os pesquisadores fizeram outro experimento e os participantes voltaram dois dias após verem a palestra. Eles podiam estudar suas anotações. Como resultado, não houve diferença se anotaram a mão ou digitaram (para ambos conhecimentos).

Agora pensem. Na vida real, no seu dia a dia, você vê um conteúdo e a prova não é logo após, certo? E você pode rever as anotações! Em um dos experimentos, houve uma pequena vantagem de digitar, quando os alunos podiam revisar o conteúdo. A possível explicação para isso é: as anotações digitadas tinham maior quantidade de palavras.

Na segunda réplica, publicada em 2021, uma equipe de cientistas fizeram uma replicação desse experimento pré-registrado (o desenho experimental, a hipótese, a forma de analisar etc, estava aprovado e disponível em uma plataforma de pré-registro. É uma prática que tem se tornado cada vez mais comum – e uma exigência em alguns periódicos científicos. É uma forma mais transparente de fazer ciência e evitar fraudes).

Como resultado, não replicaram o resultado do estudo original que dizia que anotar a mão é melhor. Além disso, fizeram uma pequena metanalise com estudos semelhantes e também não puderam concluir que digitar é pior. Entendam: em nenhum momento estou falando que digitar é melhor. O resultado foi que não há diferença significativa!!!

Por que muitas pessoas indicam anotar a mão? Qual o problema de digitar?

Já disse aqui aparelhos eletrônicos como o computador, pode ser fonte de distração (clica aqui para saber como focar nos estudos). Se você digita no computador, pode ficar tentado e clicar em sites, acessar redes sociais no meio da aula. E isso prejudica seu aprendizado!

Se optar digitar, desligue a internet! E lembre-se que você não é multitarefas!

Mensagem principal

Quando falamos de adultos, que já aprenderam a escrever, se for anotar o conteúdo, tanto faz anotar digitando ou escrevendo a mão! Faça o que preferir! Lembre-se que algumas vezes, é melhor anotar mais rápido, pegar o máximo de conteúdo possível. Outras, melhor refletir, pensar no que faz escrever – o ideal para quem não tem muito tempo para ficar revendo as anotações.

Ou seja, tanto faz se você escolhe anotar a mão ou digitar!

Se você é professor e quer saber como otimizar as anotações dos seus alunos:

Os estudos mostram que é importante que os alunos anotem informações importantes. Que tal, no final da aula, fazer perguntas (prática de lembrar) sobre os tópicos mais importantes? Assim aumenta as chances do aluno reter essas informações. Além disso, o aluno pode perceber que não anotou algum tópico e completar as anotações no final da aula.

Se você é estudante: Sugestão de como fazer anotações

No livro, Study like a champ, os autores apresentam o método 3R para melhorar as anotações, o método 3R, do inglês, Record, Revise, Review.

  1. Registrar o que é mais importante da aula, com suas próprias palavras.
  2. Reveja logo depois que anotou no final da aula, ou de preferência no mesmo dia e complete as anotações com informações faltantes
  3. Analise “o que é importante aqui?”. Nesse momento, recomendo que feche o caderno ou os olhos e tente lembrar o que é importante (prática de lembrar). Pode até escrever um breve resumo dos pontos principais para consultar depois!

Seguindo esses passos, a qualidade das suas anotações melhorarão muito!

Referências

Gurung, R.A.R; Dunlosky, J. (2023). Study like a champ: the Psychology-based guide to “grade A” study habits. APALifeTools.

Mueller, P. A., & Oppenheimer, D. M. (2014). The pen is mightier than the keyboard: Advantages of longhand over laptop note taking. Psychological Science, 25, 1159-1168.

Morehead, K., Dunlosky, J., & Rawson, K. A. (2019) How much mightier is the pen than the keyboard for note-taking? A replication and extension of Mueller and Oppenheimer (2014). Educational Psychology Review, 1-28.

Urry, H. L., Crittle, C. S., Floerke, V. A., Leonard, M. Z., Perry III, C. S., Akdilek, N., ... & Zarrow, J. E. (2021). Don’t ditch the laptop just yet: A direct replication of Mueller and Oppenheimer’s (2014) study 1 plus mini meta-analyses across similar studies. Psychological Science, 32(3), 326-339.

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